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Agrotóxicos

Como o veneno é o principal ingrediente nas refeições dos brasileiros

Veneno é o prato do dia

No cultivo das frutas e dos legumes comprados por você, nos supermercados e em feiras, foram utilizados algum tipo de veneno? Certamente, sim. Os agrotóxicos, também chamados de pesticidas ou produtos fitossanitários - químicos aplicados para evitar doenças, insetos ou plantas daninhas nas plantações - estão presentes, consequentemente, na maioria das refeições dos brasileiros. Segundo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), desde 2008 o Brasil ocupa o posto de campeão mundial no uso de agrotóxicos em suas lavouras. Como um veneno que é, eles afetam negativamente todo um ecossistema permeado por vidas, incluindo a sua.

"O Brasil ocupa o posto de campeão mundial no uso de agrotóxicos em suas lavouras" (IBAMA)

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O relatório do Greenpeace “Segura este abacaxi! - os agrotóxicos que vão parar na sua mesa”, de 2017, assegura que o modelo agrícola brasileiro tem como base o uso intensivo de agrotóxicos na produção de alimentos, impactando a saúde e o meio ambiente. O Greenpeace encomendou, por meio do Laboratório de Resíduos de Pesticidas (LRP) do Instituto Biológico de São Paulo, testes toxicológicos em alguns alimentos, que revelaram a presença de resíduos de agrotóxicos na alimentação do dia a dia do brasileiro.

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Os testes foram realizados em setembro de 2017 e analisaram produtos das grandes centrais de abastecimento de alimentos de São Paulo e de Brasília, como as Ceasa, que estão por todo território nacional. Entre as irregularidades, encontraram agrotóxicos não permitidos para a produção de um alimento em específico e outros acima do limite máximo permitido pela lei brasileira. Encontraram, ainda, um agrotóxico proibido no Brasil e a presença de diferentes tipos de resíduos no mesmo alimento, conhecido como “efeito coquetel”. Além disso, dos 23 agrotóxicos encontrados, dez estão proibidos na Austrália, Canadá, Estados Unidos e Europa.

PRODUTOS AGROTÓXICOS E AFINS SEM REGISTRO, ILEGAIS, FALSIFICADOS OU DE CONTRABANDO
 

DENUNCIE: 0800 940 7030

No cultivo das frutas e dos legumes comprados por você, nos supermercados e em feiras, foram utilizados algum tipo de agrotóxico?

A pergunta que abre esta reportagem foi realizada a 36 pessoas, submetidas a um questionário online pelo Periscópio. Na indagação, trocamos a palavra “veneno”, dita anteriormente, pela designação “agrotóxico”. Cerca de 58,3% afirmaram que têm consciência da intoxicação no seu prato, 38,9% não sabiam afirmar com precisão sobre os produtos comprados e apenas 2,8% tinham certeza de que suas refeições estão imunes a qualquer tipo de veneno.

Apesar disso, quando perguntados se sabiam que, provavelmente, os alimentos consumidos foram cultivados com a utilização de pesticidas, 94,4% dos consumidores concordaram e 5,6% negaram. Muitos brasileiros não sabem ao certo se os ingredientes das suas refeições, em específico, estão contaminados. Mas, ao mesmo tempo, têm consciência dessa hipótese.

Por que, então, isso acontece? Para tentar entender essa peculiaridade do consumo de agrotóxicos no Brasil, fomos até um hipermercado de uma grande rede varejista brasileira, em Fortaleza (CE). Nos posicionamos, assim, no lugar desses consumidores. Ao chegarmos na seção hortifruti, de frutas, verduras e legumes, não conseguimos identificar de imediato quais produtos foram cultivados ou não com o auxílio de pesticidas. Inclusive, notamos que muitas marcas utilizam slogans como “vida saudável” e “fruta de qualidade”, quando, na verdade, manipulam agrotóxicos em seu cultivo.

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Fotos: Luiza Ester

Isso, quem nos alertou, foi um funcionário do local, que não pode ser identificado. Caminhando pelo lugar, encontramos João (nome fictício) e perguntamos como poderíamos ter certeza se certo alimento é orgânico, ou seja, que faz parte de um sistema de agricultura sustentável, que não permite o uso de produtos químicos sintéticos prejudiciais para a saúde humana e para o meio ambiente. Ele nos contou que os produtos orgânicos possuem uma certificação de auditoria. Para nos mostrar, abriu um lugar de refrigeração a parte, que continha muitos produtos com o selo de aprovação, e apontou para o único produto fora da geladeira: um cacho de banana em meio a outras várias sem o adesivo.

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Foto: Luiza Ester

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), os produtos vendidos em mercados, supermercados e lojas, devem estampar esse selo federal do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SisOrg) em seus rótulos, sejam produtos nacionais ou estrangeiros. Se o produto for vendido a granel, deve estar identificado corretamente, por meio de cartaz, etiqueta ou outro meio. Uma certificadora, devidamente credenciada pelo MAPA e pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), assegura por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece às normas e práticas da produção orgânica.

Conversamos com alguns consumidores sobre o que eles acham da presença de agrotóxicos em sua alimentação. Confira!

ENVENENADO OU NÃO?

Apesar de, em nossa pesquisa, 94,4% dos consumidores afirmarem saber da existência dos produtos orgânicos, percebemos que há uma lacuna na perpetuação da informação quanto a essa questão. Ainda que existam os selos dos produtos orgânicos, não há alertas nos produtos intoxicados quanto a utilização de agrotóxicos em seu cultivo. Nos rótulos, apenas valores nutricionais e avisos quanto ao glúten e a lactose, por exemplo. Não há adesivos ou letras miúdas que alertam sobre essa outra realidade. Assim, o consumidor compra o que está aos seus olhos e ao seu alcance, sem saber de qual produto se trata exatamente.

Segundo Raul Vitor, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), instituição que tem como objetivos promover a saúde e o desenvolvimento social, “sem uma certificação que vai te atestar das condições que esse produto foi produzido, você não há como diferenciar. Se é maior, mais bonito, mais brilhante, isso não faz diferença. Esse tipo de diferenciação não funciona, você pode ver se levar para o laboratório, fazer uma análise. Aí, sim, você poderá constatar”.

Fotos: Luiza Ester

O pesquisador ainda alerta que é impossível retirar os agrotóxicos dos alimentos. “O produto absorve o agrotóxico. O vegetal, quando é retirado do solo, retira junto uma parcela de agrotóxicos que está lá disponível”, revela. Raul ainda diz que o método utilizado por muitas pessoas, de lavar os alimentos com água sanitária, não é eficaz quando se trata do veneno nos alimentos: “isso limpa o que está na superfície do produto, a sujeira, por exemplo, mas isso não funciona para retirar o agrotóxico do produto”.

VOCÊ CONSEGUE ADIVINHAR?

Nas fotos a seguir, comparamos algumas mangas. Um grupo é composto por mangas orgânicas, doadas pelo pequeno produtor José Airton Ferreira, 67, de Canaã, município de Trairí, no Ceará, e o outro por mangas cultivadas com o uso de agrotóxicos, compradas na Ceasa do Ceará. Você consegue adivinhar? A resposta estará ao final da reportagem!

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Fotos: Everton Lacerda

Envenenado ou não?

UMA PROBLEMÁTICA NA REGULAMENTAÇÃO

Para os produtores de portes menores, de acordo com Raul Vitor, a certificação junto ao MAPA é um tanto mais complexa. “Muitos produtores pequenos não tem recursos para adquirir essa certificação. A certificadora, que é uma agência avaliadora, é cara e inviabiliza diversos produtores de serem efetivamente considerados produtores orgânicos. Então, a gente precisaria encontrar uma maneira de baratear o custo dessa certificação sem, ao mesmo tempo, perder a qualidade dela na avaliação. Poderia, até mesmo, o governo oferecer essa avaliação fazendo as análises para aqueles produtores menores, é algo a se pensar” - opina.

 

Atualmente, o pequeno produtor, de acordo com a regulamentação, deve organizar-se em grupo e cadastrar-se junto ao MAPA para realizar a venda direta sem certificação. Neste caso, ele não pode vender para terceiros, só na feira (ou direto ao consumidor) e para as compras do governo (merenda escolar e Companhia Nacional de Abastecimento - Conab).

Ele deve apresentar um documento chamado Declaração de Cadastro, que demonstra que está cadastrado junto ao MAPA e que faz parte de um grupo que se responsabiliza por ele. Essa declaração deve ser mostrada sempre que o consumidor e a fiscalização pedirem.

O que acontece é que esses pequenos produtores, muitas vezes, não utilizam nenhum tipo de agrotóxico em seu cultivo e, portanto, deveriam ter o selo de certificação de produto verdadeiramente orgânico. Para eles, há diversas barreiras, como o fato de só o produtor, alguém de sua família ou de seu grupo poder estar na barraca das feiras, vendendo o produto.

 

Enquanto isso, nas grandes empresas de “produção orgânica”, as agências avaliadoras concedem a certificação, mesmo que o cultivo tenha tido taxas, ainda que pequenas, de agrotóxicos. Há, na legislação brasileira, uma brecha: alguns produtos fitossanitários, como são chamados, são aprovados para a agricultura orgânica, pela Lei 10.831 de 23 de dezembro de 2003.

vegetais da mola

AMPLA COBERTURA LEGAL

UMA PROBLEMÁTICA NA REGULAMENTAÇÃO

Para os produtores de portes menores, de acordo com Raul Vitor, a certificação junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) é um tanto mais complexa. “Muitos produtores pequenos não tem recursos para adquirir essa certificação. A certificadora, que é uma agência avaliadora, é cara e inviabiliza diversos produtores de serem efetivamente considerados produtores orgânicos. Então, a gente precisaria encontrar uma maneira de baratear o custo dessa certificação sem, ao mesmo tempo, perder a qualidade dela na avaliação. Poderia, até mesmo, o governo oferecer essa avaliação fazendo as análises para aqueles produtores menores, é algo a se pensar” - opina.

 

Atualmente, o pequeno produtor, de acordo com a regulamentação, deve organizar-se em grupo e cadastrar-se junto ao MAPA para realizar a venda direta sem certificação. Neste caso, ele não pode vender para terceiros, só na feira (ou direto ao consumidor) e para as compras do governo (merenda escolar e Companhia Nacional de Abastecimento - Conab).

Ele deve apresentar um documento chamado Declaração de Cadastro, que demonstra que está cadastrado junto ao MAPA e que faz parte de um grupo que se responsabiliza por ele. Essa declaração deve ser mostrada sempre que o consumidor e a fiscalização pedirem.

O que acontece é que esses pequenos produtores, muitas vezes, não utilizam nenhum tipo de agrotóxico em seu cultivo e, portanto, deveriam ter o selo de certificação de produto verdadeiramente orgânico. Para eles, há diversas barreiras, como o fato de só o produtor, alguém de sua família ou de seu grupo poder estar na barraca das feiras, vendendo o produto.

 

Enquanto isso, nas grandes empresas de “produção orgânica”, as agências avaliadoras concedem a certificação, mesmo que o cultivo tenha tido taxas, ainda que pequenas, de agrotóxicos. Há, na legislação brasileira, uma brecha: alguns produtos fitossanitários, como são chamados, são aprovados para a agricultura orgânica, pela Lei 10.831 de 23 de dezembro de 2003.

vegetais da mola

AMPLA COBERTURA LEGAL

Percebe-se, então, que a omissão da informação acontece pela falta de políticas públicas relacionadas à conscientização sobre os impactos do uso de agrotóxicos na agricultura. Seria essa uma espécie de maquiagem do agronegócio? De acordo com o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, “a nossa insistência no uso de agrotóxicos é baseada no modelo de agricultura adotado, em que criamos grandes monoculturas voltadas para a exportação”.

 

De acordo com o dossiê “Um alerta sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde” (2015), publicado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em parceria com o Ministério da Saúde, 64% dos alimentos cultivados no Brasil são contaminados por agrotóxicos. Entre 2000 e 2012, o percentual de aumento do uso dos agrotóxicos foi de 288% e o faturamento da indústria de agrotóxicos em 2014 foi de 12 bilhões de dólares.

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PL DO VENENO

Esse cenário, aparentemente, só tende a crescer. A Lei 7.802, de julho de 1989, rege o uso e a comercialização dos agrotóxicos atualmente. Mas, desse ano até hoje, foi recebendo tantas atualizações e anexos que basicamente não é a mesma de quando lançada. O Projeto de Lei 6299/02, popularmente conhecido como PL do Veneno, foi criado em 2002 com o intuito de revogar a lei de 89 e atualizar os atuais parâmetros legais de uso de agrotóxicos no Brasil, desde a flexibilização da liberação de mais substâncias até a mudança do termo “Agrotóxico” para “Defensor Fitossanitário”. O projeto, criado por Blairo Maggi - atual ministro da Agricultura - ganhou força em junho de 2018, quando uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a versão final das propostas do projeto de lei, onde devem passar pelo plenário da Casa e depois voltar para o Senado.

A justificativa da PL de alterar o termo “Agrotóxico” para “defensor agrícola” ou “fitossanitário” é de que, mudando a nomenclatura, haveria uma desburocratização no ato de registrar novos produtos para uso nas lavouras do Brasil. A atual legislação prevê que, para registro de uma nova substância, ela precisa ser avaliada pelo Ministério da Agricultura, pelo Ibama, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, e pela Anvisa, vinculada ao Ministério da Saúde. Esse processo avaliativo dura em média cerca de quatro a oito anos, fazendo com que muitas dessas substâncias já estejam ultrapassadas ao entrarem no mercado. Ou seja, essa mudança representa uma tentativa de retirar da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) o controle de e os parâmetros que avaliam o grau de toxicidade dos produtos, facilitando assim o registro de substâncias consideradas nocivas à saúde pelo órgão regulamentador e pelo Ministério do Meio Ambiente.

 

A Anvisa publicou, em junho deste ano, uma carta aberta de repúdio ao Projeto de Lei 6299/02. Na carta, a Agência declara que “O PL não contribui com a melhoria, disponibilidade de alimentos mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor e nem mesmo com o fortalecimento do sistema regulatório de agrotóxicos, não atendendo, dessa forma, a quem deveria ser o foco da legislação: a população brasileira”.

 

A carta também ressalta que além de existir na PL uma tentativa de fragilização do papel da Anvisa, instituição que protege a saúde da população, existe nela uma terceirização das responsabilidades pelas doenças e agravos à saúde do trabalhador e do consumidor.

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Agrotóxico = Defensor Agrícola = Fitossanitário

Regulamentação
PL do Veneno

RISCOS DO USO DE AGROTÓXICOS

O agrotóxico está, de fato, na maioria, dos alimentos. Potencialmente, eles podem nos fazer mal, mas em que sentido? Na pesquisa realizada pelo Periscópio, 66,6% dos consumidores estão cientes dos tipos de patologias que o consumo de agrotóxicos pode causar nos organismos e 33,3% disseram não estar cientes disso. A nutricionista Andressa Fontes explica que o alto índice de agrotóxicos nos alimentos, a longo prazo e a curto prazo, pode ocasionar diversas complicações à nossa saúde.

 

Doenças respiratórias pulmonares são um exemplo, já que são provocados pelo método aéreo de aplicação do veneno, atingindo os públicos mais vulneráveis como crianças e idosos. Ou seja, produtores e moradores de regiões próximas a lavouras estão ainda mais expostos ao veneno. O contato indireto com os agrotóxicos também provoca outras doenças graves, como diabetes, doenças cardiovasculares e até obesidade devido a influência metabólica,  culminando nas doenças. Já o câncer, é desenvolvido pelo contato direto com o veneno na hora da aplicação.

De acordo com o especialista em saúde ambiental, Robério Gomes Olinda, professor de Engenharia Ambiental e Sanitária, dependendo da quantidade e condições da exposição, a intoxicação pode ser aguda (os sintomas surgem rapidamente, algumas horas após a exposição excessiva, por curto período, a produtos extremamente ou altamente tóxicos), subaguda (dor de cabeça, fraqueza, mal-estar, dor de estômago e sonolência) ou crônica (paralisias e neoplasias).

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QUEM É MAIS PERIGOSO?

Segundo o pesquisador Raul Vitor da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), “os compostos de agrotóxicos mais nocivos foram os DDTs, que já foram proibidos. O que acontece é que, mesmo eles tendo sido banidos, são usados de forma ilegal no país. Eles são compostos extremamente perigosos, são organoclorados, Poluentes Orgânicos Persistentes que a gente chama de POP. Eles ainda são utilizados e são encontrados em algumas vendas no Brasil” - revela.

 

Os POP são poluentes que, como o nome já diz, permanecem no ambiente por muito tempo. De acordo com Robério Olinda, “a toxicidade dos POP varia, sendo a endrina o mais tóxico, e o heptacloro sem muita toxicidade. Os efeitos da toxicidade podem ir desde tumores, infertilidade, doenças cardiovasculares, fadiga, depressão, tremores, convulsões e problemas nos rins”. 

“No país, o composto mais consumido é o glifosato, que ambientalmente não causa tantos danos ao meio ambiente quanto o DDT, mas as consequências vem à longo prazo, como os estudos recentes produzidos nos Estados Unidos e na Europa indicam que ele é um potencial cancerígeno, estando na lista da Organização Mundial da Saúde. Mesmo assim, ainda é o mais usado no país” - alerta o pesquisador Raul Vitor.

O glisofato é muito utilizado nas grandes plantações de soja e de milho de Uruçaí, cidade distante 459 Km de Teresina, capital do Piauí. Segundo dados da tese de mestrado do sanitarista Inácio Pereira Lima, da Universidade Federal do Piauí, estima-se que, na região, uma em cada quatro grávidas da cidade tenha sofrido aborto; 14% dos bebês vão nascer com baixo peso e 83% das mães tenham o leite materno contaminado. A epidemia de infecção foi denunciada em setembro deste ano, pelo The Intercept Brasil, por meio da reportagem "Um aborto a cada quatro grávidas - a cidade em que o agrotóxico glisofato contamina o leite materno e mata até quem ainda nem nasceu".

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Foto: Gervásio Lima/EcoDebate

Riscos

NÃO É SÓ NO ALIMENTO

Consumimos agrotóxicos todos os dias, em várias ocasiões. Os perigos estão por toda parte: o veneno pode estar na água que bebemos ou até mesmo na roupa que usamos. Segundo Olinda, tanto o ambiente quanto o ser humano estão expostos a uma grande quantidade de veneno. No ambiente, tem-se uma aplicação maior e, como consequência, há a infertilização do solo, a contaminação da água e dos lençóis freáticos, além do fortalecimento das pragas.


Em concordância, o pesquisador Raul Vitor afirma que os compostos dos agrotóxicos acabam indo para o meio ambiente, para o solo e para a água.  “E nesse meio a gente tem uma infinidade de microorganismos e bactérias, e eles vão sendo expostos aos agrotóxicos e podendo adquirir essa resistência aos antibióticos”, comenta. O pesquisador faz um paralelo dessa problemática com o seu objeto de pesquisa: o impacto dos agrotóxicos nas resistência de bactérias nocivas à saúde humana.

 

Segundo Vitor, essa resistência representa uma potencial ameaça à saúde humana porque, caso essas bactérias sejam nocivas à saúde humana, uma infecção sofrida pelo humano por elas seria bem mais difícil de ser tratada, já que o nosso principal tratamento para infecções bacterianas é o uso dos antibióticos, então caso essas bactérias sejam resistentes a esses antibióticos, é preciso aumentar a dose do remédio. “Ou você aumenta a dose de antibióticos ou você pode ficar sem nenhum tratamento disponível, e aí você pode vir a óbito mesmo recebendo doses e doses de medicamento”.

Na tabela, baseada na consulta aberta disponibilizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), você pode ter acesso a lista de agrotóxicos que estão presentes em vários outros usos e a sua intoxicação.

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É POSSÍVEL PLANTAR SEM AGROTÓXICO?

Em 2010, a ONU afirmou que a agroecologia pode aumentar a produtividade agrícola e a segurança alimentar; melhorar a renda de agricultores familiares; e conter e inverter a tendência de perda de biodiversidade e outros impactos gerados pela agricultura industrial. Em 2017, a organização lançou outro documento afirmando que a necessidade dos agrotóxicos para o aumento da produção de alimentos não se sustenta. E acrescentou: produzir sem agrotóxicos é possível e necessário.

 

Segundo Raul Vitor, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), uma das alternativas viáveis é a criação dos inimigos das pragas nas plantações, promovendo uma cadeia alimentar e cultivando um ecossistema de vidas, respeitando a natureza e os seres vivos. “Já tem diversos estudos de manejos alternativos agrícolas, que visam conciliar essas relações ecológicas entre as pragas e seus inimigos de modo que você tenha tudo isso dentro de um cultivo para manter sua produtividade, manter os vetores das pragas sob controle e sem utilizar os compostos químicos”.

 

De acordo com o projeto OrganicsNet, a “Rede Comunitária Para Acesso ao Mercado Pelos Produtores Orgânicos”, algumas técnicas empregadas são: o rodízio de culturas e diversificação de espécies entre e dentro dos canteiros; o plantio direto, caracterizado pelo cultivo em cima do resíduo da cultura anterior, sem que o trator limpe o solo; a adubação verde e orgânica, que promove o desenvolvimento da vida no solo, tais como minhocas, bactérias e fungos benéficos. Outra medida bastante utilizada é a aplicação de cordões de contorno com plantas diversas para ajudar na proteção de pragas e doenças, como quebra-vento e proteção contra erosão.

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ALIMENTAÇÃO DE QUALIDADE É UM DIREITO

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“Quando falamos do papel da educação alimentar na prevenção da alimentação com agrotóxicos, eu acredito que o mais importante é que a população entenda o direito humano à alimentação adequada. Esse direito está previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, instituída pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948. Esse direito também está previsto na constituição brasileira de 1988. É um direito de todo ser humano estar livre, tanto da fome e de ter acesso a uma alimentação adequada.”

- Aldenila Bernardes, chefe da equipe de nutricionistas da Secretaria de Educação de Aquiraz.

Essa questão, de acordo com Aldenila, está fundamentada na segurança alimentar e nutricional, que busca garantir o direito ao acesso a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes e de modo permanente, com base em práticas alimentares saudáveis.

“O Brasil é um dos maiores usuários de inseticidas na agricultura, que fazem parte do complexo de substâncias que nós chamamos de agrotóxicos, e isso é muito preocupante. Em outros países, já existem legislações que amparam melhor em relação a utilização desses agrotóxicos” - opina Aldenila. Para ela, um dos fatores essenciais de transformação desse fenômeno é a população conhecer a origem do alimento que está consumindo.

A nutricionista comentou sobre a importância de políticas públicas para uma alimentação sem utilização de agrotóxicos e fez uma retrospectiva histórica sobre o uso de agrotóxicos no Brasil, abordando a chamada “Revolução Verde”, que foi um conjunto de iniciativas tecnológicas que modificou as práticas agrícolas e aumentou drasticamente a produção de alimentos no mundo. Aperte o play para conferir!

Um panorama sobre a "revolução verde" e a importância de políticas para uma alimentação de qualidade - Aldenila Bernardes
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“Vale ressaltar ainda que a alimentação saudável é uma ação preventiva, que ajuda a evitar, futuramente, certos problemas de saúde. Nós temos que aprender a trabalhar a prevenção”, afirma Aldenila.

ORGÂNICOS: UMA ALTERNATIVA

Nesse sentido, a nutricionista Andressa Fontes conta que os chamados alimentos orgânicos são os mais indicados na hora da consumo: “o orgânico tem uma concentração maior de antioxidantes. Quando avaliamos a composição nutricional, o orgânico é superior e pode prevenir diversas doenças, porque esses alimentos, têm substâncias de efeito antioxidante, anti-inflamatório, que está associado com a prevenção de doenças” ela destaca.

 

Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o produto orgânico, para assim ser considerado, deve ser cultivado em um ambiente com sustentabilidade social, ambiental e econômica (princípios agroecológicos), valorizando, assim, a cultura das comunidades rurais e as vidas envolvidas no cultivo. Esse sistema deve buscar o equilíbrio do ecossistema para resultar em plantas mais resistentes a pragas e doenças, sem utilizar agrotóxicos, hormônios, drogas veterinárias, adubos químicos, antibióticos ou transgênicos em qualquer fase da produção, segundo informações do órgão.

Em concordância, Aldenilda assegura que os orgânicos mantém a harmonia entre homem e natureza. Ela ainda alerta para uma possível insatisfação por parte do consumidor, que pode se deparar com o preço do alimento orgânico mais caro. “Nós temos que pensar em saúde, em pequeno, médio e longo prazo. Estamos adquirindo um alimento sem agrotóxicos, sem aditivos, conservantes, corantes ou acidulante, e isso vai garantir uma melhor qualidade na alimentação, vamos estar contribuindo para a não ocorrência de doenças” - aconselha.

 

De acordo com ela, quanto mais forem divulgados o uso de alimentos orgânicos e, assim, houver uma maior demanda, os preços caem. “Quanto mais divulgarmos o que ele acarreta  para a nossa saúde, com certeza, nós chegaremos a ter produtos que estejam ao alcance de toda a população e não a uma pequena parcela. Que tenhamos a consciência da melhor utilização dos alimentos e possamos diminuir o consumo de alimentos intoxicados e super processados, para voltarmos ao hábito de consumir o alimento o mais natural possível”, salienta Aldenila.

A plataforma #ChegaDeAgrotoxicos busca reunir pessoas envolvidas com uma nova perspectiva de alimentação. Nela, os consumidores podem ter acesso a uma petição pela Política Nacional de Redução de Agrotóxicos.

Acesse: chegadeagrotoxicos.org.br

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Reunimos um mapa de feiras e produtos agroecológicos em Fortaleza (CE), confira.

Direito à alimentação

CHECAGEM

Afirmação verdadeira

Afirmação imprecisa

Afirmação falsa

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No ato da coleta das respostas da pesquisa realizada pelo Periscópio, citada no começo da reportagem, nos deparamos com três asserções falsas ao questionarmos os entrevistados por quais motivos os mesmos acreditavam que nosso país ainda se mostrava a favor da flexibilização do uso de mais substâncias nocivas à saúde. Resolvemos esclarecer essas questões:

1) “Porque existe muita gente no mundo e precisa alimentar todo mundo e é a forma que o capitalismo encontrou pra alimentar todos e ainda sim sair no lucro” sic.

Segundo o relatório do Greenpeace “Segura este abacaxi! - os agrotóxicos que vão parar na sua mesa”, lançado em 2017, esta afirmação é falsa. O relatório afirma que a conta de produção e consumo não bate, pois “boa parte da fome mundial não se deve à escassez de alimentos, mas, sim, das dificuldades de acesso por parte dos mais pobres”. Segundo o mesmo relatório, na verdade, a fome voltou a crescer no mundo: o problema afetava 777 milhões de pessoas em 2015, e, em 2017, o número saltou para 815 milhões - o equivalente a 11% da população mundial. Ou seja, as causas para utilizar mais agrotóxicos não implicam em uma distribuição alimentar para todas as pessoas no mundo. Pelo contrário, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a estimativa é de que, anualmente, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de comida seja descartada, enquanto 821 milhões de pessoas no mundo estão em estado de insegurança alimentar.

2) “Porque creio que é o que dá mais dinheiro e, consequentemente, o agrotóxico faz a fruta e a verdura ficar mais bonita. Então, as pessoas acabam pensando que uma fruta ou verdura orgânica não presta pelo tamanho ou pela aparência”.

 

Até a primeira vírgula, temos que concordar. A agricultura que utiliza agrotóxicos em seu cultivo o faz para ter maiores lucros, por meio de grandes exportações, mas, na verdade, o uso do agrotóxico durante a plantação não garante que o produto possua uma aparência melhor. Como citado anteriormente, só é possível determinar os índices de agrotóxicos em um produto por meio de exames laboratoriais, uma vez que a estética não determina a avaliação. Tome cuidado, as aparências enganam!

3) “Agrotóxico garante a qualidade do alimento”.

 

O agrotóxico garante que o produto não seja atacado por pragas durante o seu plantio. Segundo o pesquisador Raul Vitor, “o agrotóxico é usado especificamente para o combate de pragas mesmo, ele é um veneno, um biocida, você vai utilizar isso para matar aquilo que não lhe interessa lá”. Sendo assim, não há comprovações científicas de que o agrotóxico seja usado especificamente para a melhoria da qualidade do alimento. Pelo contrário, as pesquisas mostram que os agrotóxicos só afetam negativamente as diversas vidas do nosso ecossistema.

4) "Porque para terem menos perdas e mais lucros consequentemente e se livrar de possíveis pragas eles utilizam mais agrotóxicos"

Esta afirmação é verdadeira. Os agrotóxicos, por afastarem as pragas das plantações, evitam prejuízos em grandes escalas para os produtores. Em contrapartida, as doses podem ser maiores a cada aplicação devido as mais variadas pragas em existentes cada plantação. Para cada uma, existe um veneno específico, e para que os produtores atinjam uma grande variedade de pragas, é preparado uma espécie de coquetel com diversos tipos de venenos misturados.  

RESPOSTA "VOCÊ CONSEGUE ADIVINHAR?"

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Fruta orgânica

Fruta com agrotóxico

Checagem
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